terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Rilke ( 3 )

Sobre a linguagem
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Num poema bem-sucedido existe mais realidade do que em qualquer relação ou afeição que eu sinta; no que crio sou verdadeiro, e gostaria de encontrar a força para basear a minha vida totalmente nessa verdade, nessa infinita simplicidade e alegria, que de tempos em tempos me é dada.
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Suponho que na política, tal como na poesia, as intenções puramente humanas, voluntariamente humanas não valham grande coisa. Uma poesia que quisesse consolar ou ajudar ou sustentar não sei que nobre convicção seria uma espécie de fraqueza por vezes tocante...o decisivo não é de modo algum uma intenção caridosa e clemente, mas a obediência a um ditado autoritário que não quer nem o bem nem o mal ( dos quais sabemos tão pouco ), e simplesmente ordena-nos a estabelecer os nossos sentimentos, as nossas ideias, todo o encanto do nosso ser segundo a ordem superior que nos excede de tal forma que jamais poderia tornar-se um objecto da nossa compreensão...A minha censura à " liberdade " é que ela conduz o homem, no melhor dos casos, ao que ele compreende, nunca mais longe. Só a liberdade não basta; mesmo empregada com critério e justiça, ela deixa-nos no meio do caminho, no terreno estreito da nossa razão...
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É assustador pensar em quantas coisas são feitas e desfeitas com as palavras; elas estão tão afastadas de nós, encerradas na eterna imprecisão da sua existência secundária, indiferentes às nossas necessidades extremas; elas recuam no momento em que as agarramos; elas têm a sua vida, e nós, a nossa...
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Ser alguém, como artista, significa: poder dizer-se. Isso não seria tão difícil se a linguagem saísse do indivíduo, se se originasse nele e, a partir desse ponto, aos poucos abrisse caminho até ao ouvido e à compreensão dos outros. Mas não é esse o caso. Pelo contrário, ela é o que é comum a todos, mas não foi feita por ninguém, porque todos a fazem continuamente, a vasta, sussurrante e oscilante sintaxe, para dentro da qual cada um diz o que tem no coração. E então acontece que alguém, interiormente distinto do seu vizinho, perde-se ao exprimir-se tal como a chuva se perde no mar. Portanto, tudo o que é próprio exige, se não quer ficar em silêncio, uma linguagem própria...Dizer o igual com as mesmas palavras não é progresso.
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Rainer Maria Rilke
In, " Da Natureza, Da Arte e Da Linguagem "
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Bold: da responsabilidade do blogue

10 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido Eduardo
Um belo texto, para reflectir nele e na força que a Palavra tem.
Na palavra expressamos nossos sentimentos.

Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora

Graça Pires disse...

Um texto de Rilke é sempre um texto lúcido e actual. "É assustador pensar em quantas coisas são feitas e desfeitas com as palavras"...
Para ler, reler e reflectir.
Um beijo, Eduardo.

Manuela ramos Cunha disse...

Eduardo, gostei do teu comentário e repleto de razão, pois reconheço que tem mesmo que ser assim "empurrar" o trem, se não não vamos lá. Pelo menos é essa a minha vontade.
Arte por arte sem acção já me desmotiva.
A ver vamos o que se segue.

A respeito deste "RILKE" não sei mesmo nada.

Abraço

CamilaSB disse...

Mentes que se abrem e
se transcendem...
Sabedoria, reflexão e exposição
beleza,fascínio e sedução...

Óptimas escolhas.Obrigado pelo lindo poema! BJS

Baila sem peso disse...

Li pela primeira vez
mas tenho de ler uma e outra vez...
"Da Natureza, da Arte e da Linguagem"
me parece uma prosa de reflexão
em que carece de preparado coração
para ler com toda a atenção...
Virei ler de novo com mais tempo
hoje já tenho os olhos em lamento...

te deixo um beijo com carinho
e agradeço a suavidade do teu cantinho...

Um bom fim-de-semana no teu caminho

Anônimo disse...

Prefiro os grandes pensadores, que com seus pensamentos, suas citações, com trechos de seus livros ou músicas, conseguem me fazer viajar, conseguem traduzir o que não sei expressar, dizem por mim o que não sei falar.

Wanessa Baptista

Beijos e carinhos à todos...M@ria

Anônimo disse...

Prefiro os grandes pensadores, que com seus pensamentos, suas citações, com trechos de seus livros ou músicas, conseguem me fazer viajar, conseguem traduzir o que não sei expressar, dizem por mim o que não sei falar.

Wanessa Baptista

Beijos e carinhos à todos...M@ria

Unknown disse...

Olá Eduardo,

Acho que o primeiro parágrafo resume tudo o que eu sinto quando escrevo... desculpa-me se falo de mim própria! Mas não resisti!
Gostei de todo o texto, mas sinceramente... o primeiro parágrafo marcou-me. É de facto num poema bem sucedido que existe mais realidade, embora por vezes enleada nas imagens poéticas... que para mim ( outra vez eu) é onde reina a beleza... da escrita! Simples mas enleada!

abraço amigo.

Lucília Benvinda disse...

Sem palavras para exprimir Rilke "sobre a linguagem"...

"É assustador pensar em quantas coisas são feitas e desfeitas com as palavras;..."

Se todos falássemos com a linguagem do coração e do olhar, ou até por telepatia, já não aconteceria este fazer e desfazer de palavras.

Ai se eu aprendesse o silêncio!!!

Anônimo disse...

gostei muitíssimo de ler e vou adicionar o link aos meus favoritos para depois visitar o blog em profundidade. um beijinho.