terça-feira, 3 de agosto de 2010

As eleições legislativas em STP

No passado domingo, realizaram-se as eleições legislativas em São Tomé e Principe e é a primeira vez que tive a oportunidade de acompanhar o processo eleitoral e partidário nesta realidade...E posso dizer que foi muito interessante, umas vezes divertido, outras chocante. Começou na campanha, com o fenómeno que aqui se intitula "Banho", e que significa literalmente dar dinheiro ás pessoas para votarem no seu partido. Ora eu pensava que não teria oportunidade para presenciar esse Banho, mas este afinal é tão claro e declarado que deparei-me com várias situações desse género. Nas roças, é só chegar um carro que vem toda a gente a pedir pelo seu banho, não interessa quem ou porquê. A minha equipa respondia que era uma ONG e todos nos viravam as costas desinteressados. Em todo o lado,os partidos construiram latrinas, fontanários, centros comunitários, e começaram a deslocar-se nos carros com música dentro e fora da cidade, como loucos e em festa pagando cervejas. Circular com carro tornou-se mais inseguro e as pessoas deixaram literalmente de trabalhar para "trabalhar" na campanha. Os ministérios estão parados, e qualquer assunto fica pendente por tempo indeterminado...Ao aproximar-se o dia da eleição toda a gente andava à procura do seu banho. Os meus colegas de trabalho, santomenses, começaram a aparecer com t-shirts, mochilas e canetas do partido, os quais proibi no local de trabalho. Depois perguntava se iam votar nesse partido e respondiam-me logo que não: "meu coração é do outro, mas se puder receber, recebo de todos". Basicamente, no dia das eleições, gerou-se um outro fenómeno, esse já não assisti pois não voto, que é o de "boca da urna" e que significa o banho após o voto. Várias pessoas me relataram o que sucede: a pessoa sai do l0cal de voto e logo uma pessoa a chama para lhe dar para a mão 200 mil dobras (que não chega a 10 euros) por votar no partido X e na esquina a seguir é chamada por um carro onde lhe dão uma quantia semelhante. Estava a almoçar na cidade, onde algumas pessoas de partidos também se encontravam, e assisti a outra situação normal. Entram duas senhoras que se dirigem a um senhor, que lhes pergunta se já foram votar, ao que lhe perguntam: "E meu banho?". O senhor diz-lhes para votarem primeiro no partido X, que depois irão receber "seu banho"... No dia seguinte, quando se souberam os resultados, no mercado da cidade estavam carros parados a distribuir dinheiro às pessoas que lá estavam. Eu desviei-me da rota, pois a confusão estava instalada. Isto chocou-me. Achei divertido outras facetas culturais da campanha a que não estou habituada. O que esperar de discursos políticos? Bom, nada de grandes debates e análises profundas da realidade politico-financeira do país... Assisti a um comício na TV que se passou numa comunidade, no qual o discurso enfático do líder para a população era o seguinte: "Se nós estivermos com uma mulher durante 35 anos e ela não parir, o que vocês fazem, vão ficar com ela mais 4 anos??" Ao que a população respondia com força: "Não!!!!!!!", e ele continuava:"Arranjavam outra mulher??" e a população respondia "Simmmm!!". Este é o resumo das últimas semanas e ao que parece a mulher vai mesmo mudar... Hoje perguntaram-me seriamente se não tinha ido votar. Eu respondi a sorrir que ainda recebi um saco de um partido com um chapeu de chuva, uma lanterna, uma caneta e um relógio...mas que não, por enquanto, continuo portuguesa. Rita

5 comentários:

Unknown disse...

Olá...
Ao ler esta postagem, ri... mas também fiquei um pouco ... chocada, não sei se será bem o termo! É muito bom contactar com outras culturas, poder analisar e comparar com a nossa...
A visão que têm do próprio país, a maneira como vivenciam as eleicções... é de facto interessante!

Da minha parte obrigada Rita por me dar a conhecer um pouco de S.Tomé

bj

Anônimo disse...

Rita,
Esses rapazes estão a precisar de um banho de sofisticação aqui na Piolheira. Por cá, os 'banhos' são dados em lugares para os Institutos, Empresas Públicas,Câmaras, Gabinetes Ministeriais, etc. Os peditórios para o financiamento dos partidos já são feitos por e-mail a troco de empreitadas futuras e negociatas do arco-da-velha, lixeiras, out lets e assim.
De forma rude ou com embrulho dourado, é a globalização da vigarice.
Beijos,
Pedro Martins

Anônimo disse...

Pois é Rita, é impressionante o teu relato das eleições nesse país onde vives, choca! As canetas, chapéus e bonés aqui também distribuem, mas «banhos» dessses quem os teria inventado?
É uma inversão total do processo eleitoral!
Não obstante a pobreza, quando eu e teu pai aí estivemos não me apercebi de tanta apetência por dinheiro!
beijos da mãe
M. A.

Unknown disse...

Escreveste uma boa crónica sobre uma realidade pungente, mas é a verdade. De um país pobre económicamemte e também politicamente. O que descreves existe tamvbém em países mais desenvolvidos, como Portugal, mas atravás de formas e métodos mais sofisticados, como o Pedro Martins acima exemplificou. Caberia à classe política dar o exzemplo do que é a política a sério. Política com ética. Mas não, infelizmente, não dá o exemplo e contribui para a corrupção das pessoas e para o atraso do país. Significativo o que dizes quando não passam cartão à ONG, mas sim aos partidos, apenas por causa do Banho. Significativo também o exemplo que dás da suparficialidade ridícula dos debates. É tudo pobre.
Contribuamos, cada um de nós, para elevar o nivel da política. Aí e aqui.
Parabéns pela reportagem.
Pena que seja altura de férias: merecia ser lida por mais gente.
Beijo do teu pai que muto te ama. E te admira.

fatima.medeiros disse...

Rita
Mais uma vez agradeço a reportagem porque de certa forma me sinto próxima da minha terra aonde não vou há 33 anos. Pudera, não vou a S.Tomé, nem a lugar algum há muito, muito tempo.
Quanto às "negociatas" não me espantam na medida em que os políticos aproveitam-se da miséria económica, financeira e cultural da população para não governar, não desenvolver, não formar, não merecer sequer o voto comprado.
Se nos países mais desenvolvidos, como Portugal, há tanta falta de ética, o que se pode esperar de um pequeno país que quase ninguém conhece?
Um beijo grande e continue o seu meritório trabalho.
Fátima